As manchetes celebram um marco histórico: o Ibovespa ultrapassa os 150.000 pontos. Para o observador casual, isso soaria como um atestado de prosperidade econômica. No entanto, este recorde nominal coexiste com uma realidade de indicadores internos fracos, revelando um profundo paradoxo na economia brasileira.
Este paradoxo só pode ser entendido quando abandonamos a métrica fiduciária (o Real) e adotamos uma medida de valor estável (o ouro). O recorde de 150.000 pontos é, em grande parte, um sintoma da desvalorização da própria moeda usada para a medição.
Além disso, a bolsa brasileira é pequena. O volume médio diário negociado (ADTV) encolheu significativamente desde os picos de 2021, caindo de R$ 35 bilhões para menos de R$ 20 bilhões. Uma alta do índice com volume baixo não é sinal de força econômica, mas de um mercado concentrado e pouco profundo, onde poucos atores movem o índice.
Para medir o tamanho real da desconexão entre a economia financeira (a bolsa) e a economia produtiva (o PIB), aplicamos o índice comparativo Bolsa/PIB.
A Ilusão Financeira: Medindo a Relação Bolsa/PIB
A tabela abaixo compara o valor total das empresas listadas em relação ao PIB de cada nação. Quanto maior a porcentagem, maior a “financeirização” da economia, indicando que o valor especulativo de papéis se distanciou da produção real de bens e serviços.
(Valores em Dólar Americano (USD), base 2025)
| País | Valor total das empresas listadas (US$ tri) | PIB (US$ tri) | Relação Bolsa / PIB (%) | Interpretação |
| EUA | 52,0 | 27,0 | 192 % | Epicentro da financeirização global. O valor de papel supera em quase o dobro a produção real. |
| Índia | 5,0 | 3,5 | 143 % | Euforia financeira com fluxo estrangeiro crescente; especulação acima do crescimento real. |
| Japão | 6,0 | 4,3 | 140 % | Mercado maduro e altamente líquido; reflexo de décadas de estímulos monetários. |
| Reino Unido | 3,5 | 3,3 | 106 % | Centro financeiro internacional; capitalização sustentada por empresas globais. |
| China | 11,0 | 17,0 | 65 % | Forte presença estatal; a bolsa reflete apenas parte da economia total. |
| Alemanha | 2,5 | 4,1 | 61 % | Economia produtiva, de base industrial; menor dependência dos mercados financeiros. |
| Brasil | 0,79 | 2,0 | ≈ 39 % | Mercado de médio porte, concentrado e dependente de capital externo; expressa pouco do PIB real. |
A média ponderada destes países mostra que o valor financeiro (Bolsa) já supera a produção anual (PIB) em mais de 100%.
O Valor Real: Recalculando o Mundo em Ouro
O Dólar (USD), usado na tabela anterior, também é uma moeda inflacionária. Para eliminar o viés e revelar o valor real, recalculamos o PIB e as Bolsas usando o ouro como denominador comum, com base em uma cotação projetada de US$ 2.500 por onça troy.
(1 tonelada métrica de ouro ≈ US$ 80,4 milhões)
| País | Valor da Bolsa (em Toneladas de Ouro) | PIB (em Toneladas de Ouro) | Relação Bolsa / PIB |
| EUA | 646.932 t | 335.907 t | 192 % |
| Índia | 62.205 t | 43.543 t | 143 % |
| Japão | 74.646 t | 53.496 t | 140 % |
| Reino Unido | 43.543 t | 41.055 t | 106 % |
| China | 136.851 t | 211.500 t | 65 % |
| Alemanha | 31.102 t | 51.008 t | 61 % |
| Brasil | 9.828 t | 24.882 t | 39 % |
Embora as proporções (a bolha) permaneçam as mesmas, os números absolutos em ouro revelam a tese central: a ilusão nominal mostra crescimento em dólares, mas, em ouro, o valor real está em retração. O mundo financeiro enriquece em papéis, mas empobrece em valor real.
O Brasil e a Alemanha, com os menores índices (39% e 61%), demonstram economias menos financeirizadas e com maior lastro na produção tangível. Esta realidade brasileira é perfeitamente exemplificada pela recente confusão da mídia entre o mercado financeiro do agro e a produção real do agro.
